As reverberações do Festival de Cannes desse ano são um convite pro mercado botar a mãozinha na consciência e se perguntar "Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?"
Pois bem, se a perspectiva do uso de IA em fake news nas eleições do ano que vem faz subir um frio na espinha dos comunicadores, a gente não pode esquecer que publicidade e fake news andam de mãos dadas. Nós literalmente inventamos as técnicas que são usadas para disseminar informações falsas e as usamos no nosso cotidiano.
Está em tudo que fazemos: na foto do hambúrguer da propaganda que não parece nada com o que chega em casa, no xampú de “efeito milagroso" que não faz milagre nenhum, na Xuxa mergulhada em Monange, agora em versão “influ”. É natural contar mentiras. A gente chama isso de over promess, porque em inglês fica mais bonito.
Quando chega junho, essa mania toma outras proporções. Afinal, o Festival de Cannes é onde a publicidade vai para fazer propaganda dela mesma. Não é realmente um festival de criatividade e sim um feirão onde as agências tentam mostrar o que são capazes de fazer quando os clientes colaboram ou o que seriam capazes se o marketing não existisse. Nesse momento, até crimes são cometidos em nome da criatividade. A gente chama de fantasma, ou ghost ad, que em inglês fica mais bonito.
Uma reforma ética na publicidade seria benéfica para o mercado, que deixaria de escoar milhões de reais dos anunciantes anualmente na criação e inscrição de cases falsos enquanto seu modelo de negócios malemá para em pé. Isso para não falar no quanto seria bom para a saúde mental de todos os envolvidos.
Seria, também, boa para a sociedade. No Brasil, 62% dos entrevistados confiam nas empresas - comparado a 46% na mídia e 39% no governo. Ao bombardear os consumidores com informações falsas, nós educamos seu olhar para acreditar em mentiras.
Eu sou utópica e acredito que isso é possível, principalmente porque envolve algo muito sensível: a confiança do consumidor - 73% dos consumidores já abandonaram uma marca após terem sua confiança violada . Nós andamos na corda bamba ao mentir para eles, afinal, foram justamente as fake news que derrubaram a confiança no governo e na mídia. Do jeito que está, não só vamos cair da corda, mas ela irá nos enforcar.
(Dados: Edelman Trust Barometer 2025)
Por que precisamos de prêmios para publicidade? Participei do podcast Job Pra Ontem levando essa pergunta embaixo do braço:
Pra ler:
Escrevi na Mina Bem Estar sobre uma pesquisa que me deixou muito impactada. O Instituto Update conversou com mulheres progressistas e conservadoras e encontrou os pontos de congruência e divisão entre elas. A conclusão é que estamos menos polarizadas do que pode parecer.
Junho é mês do Orgulho LGBTQIAP+ e minhas duas leituras desse mês tiveram essa temática: A Palavra que Resta é fala sobre o amor entre dois homens no sertão e as palavras entre eles. A Insubmissa narra a infância de uma mulher uruguaia e o caminho para se entender lésbica e escritora.